Artigo antigo, necessário a todos nós que de uma forma ou de outra estamos vivendo a correria do dia a dia e nos esquecendo...
Impressionante como um artigo antigo retrata os dias de hoje, onde a angustia, o estresse e as frustrações continuam...
Hoje eu digo que naquela época eu não sabia disso!
E ainda hoje eu digo que não sabia que naquela época já se sabia disso...
Aceitar que hoje sei e naquela época não sabia é fato.
Aceitar que muita gente sabia o que eu não sabia, é apenas aceitar a realidade...
Boa leitura!
LucianaA
sexologia e o seu mundo
Reportagem 13 de agosto de 1975 No meio do caminho de sua vida, o engenheiro O. S. se encontrou numa selva escura. Com 38 anos de idade, e após alguns meses de desesperada, frustrante batalha contra carne e espírito, ele teve de admitir - primeiro para si mesmo, depois para a esposa - que se havia tornado incapaz, simplesmente, de celebrar o ato sexual com um mínimo de sucesso. Era a catástrofe, para ambos. E sobretudo para o arruinado O. S., que passava a ter sua própria sobrevivência física eventualmente em jogo - cerca de 50% dos suicídios de homens até 45 anos, contam as estatísticas, são causados pela impotência.
Mas nem tudo estava perdido, decidiu o casal. O fatal fiasco viera após um longo período de medíocres, laboriosas performances no leito, durante as quais ficara secretamente óbvio que alguma coisa ia mal muito mal. Por que, então, não procurar a ajuda de um profissional, agora que já não havia mais nada a esconder ou provar? O profissional era um sexólogo, com consultório na mesma cidade americana onde vivia o casal - e após dez semanas e vinte sessões de tratamento, nas quais foram sendo gradualmente estimulados a utilizar certas técnicas eróticas, O. S. voltou a ser um homem pleno.
Como ele, milhares de pessoas em todo o mundo estão correndo hoje em dia, e cada vez mais, às clínicas de sexologia - um território da ciência médica que, superando os limites da psiquiatria e da fisiologia sexual, pretende ocupar-se sistematicamente do sexo, em todas as suas manifestações e disfunções. Mais que tudo, ao emergir agora com luz própria, a sexologia pode estar se tornando a corda de salvação para toda uma torturada faixa da humanidade - a dos desajustados sexuais, que sabem perfeitamente a quem se dirigir quando sentem uma dor de dente ou uma cólica de rins, mas que se encontram na mais amarga solidão quando seu caso é, por exemplo, uma ejaculação precoce.
BOAS RESPOSTAS - Não se trata, absolutamente, de um contingente assim tão minoritário. No Brasil, cálculos de sexólogos sugerem a existência de 2,5 milhões de homens de alguma forma impotentes. Na Alemanha, informam cientistas da nova disciplina, cerca de 6 milhões de pessoas possuem problemas sexuais manifestos. Na Checoslováquia, segundo uma voz oficial, 10% de todos os casais estão às voltas com algum distúrbio sexual - da impotência à anorgasmia, do vaginismo à frigidez. E, no consenso mais ou menos geral dos sexólogos, nenhuma dessas pragas é exclusiva desta ou daquela classe social - embora os casos sejam mais visíveis à medida que sobe a renda média da vítima.
Para toda essa gente, os consultórios de sexologia parecem estar dando respostas cada vez mais satisfatórias. É verdade que a nova seara, como se poderia perfeitamente prever, tornou-se quase que de imediato um maná para charlatães e impostores. Mas cientistas indiscutivelmente sérios, como o venerando sexólogo americano Wardell Porneroy, 66 anos, um dos pais da moderna sexologia, ou psicanalistas da Faculdade de Medicina de Genebra apontam com segurança resultados animadores. As técnicas sexológicas, afirmam, estão curando de 75% a 95% dos casos de ejaculação precoce, cerca de 80% dos casos de impotência secundária e 50% dos casos de impotência primária, a mais grave.
"Até recentemente, os problemas sexuais eram tratados com técnicas psicanalíticas, vagarosas e graduais", disse o dr. Pomeroy ao correspondente de VEJA em Nova York, Hugo Estenssoro. "Nossa preocupação central, hoje, é essa ou aquela disfunção específica - isto é, um sintoma. E o princípio do tratamento consiste em ocupar-se desse sintoma, sem tentar reorganizar a personalidade completa do paciente." Ou como explica, de maneira algo mais crua, o jovem sexólogo brasileiro Flávio Gikovate, 32 anos, com concorrido consultório em São Paulo: "Acho que não interessa saber se o paciente teve ou não vontade de dormir com a mãe, no passado, se o que realmente o preocupa é seu desempenho com a parceira atual".
PROGRESSOS GERAIS - Com esse enfoque mais prático, e as estatísticas de curas em ascensão, nada mais natural que a sexologia venha emergindo com singular vigor por todo o mundo, desde a publicação em 1966, nos Estados Unidos, do primeiro livro dos patriarcas William Masters, médico, e Virginia Johnson, psicóloga - "A Conduta Sexual Humana", geralmente considerado o ponto de partida da nova ciência. Hoje, nos EUA, a sexologia consta dos currículos de mais de 100 universidades, erigiu sete centros de terapia só em Nova York e permitiu o apressado nascimento de 3.500 clínicas especializadas em todo o país.
Enquanto a revista Time julgava o terreno suficientemente sólido para inaugurar, este ano, uma seção "Sexo" ern suas páginas, a sexologia fazia nascer em Nova York um aparatoso Comitê de Sexualidade Humana, com quarenta notáveis em seu bojo e abundantes recursos para pesquisas. Um Museu de Arte Erótica vem sendo gerenciado em San Francisco por sexólogos de uma organização religiosa que se cindiu da Igreja Metodista. E uma grande Associação de Sexólogos da Costa Leste, inspirado pelo dr.Ppomeroy, dedica-se ao ambicioso objetivo de separar os verdadeiros sexólogos dos charlatães, curiosos ou franco-atiradores.
Fora dos Estados Unidos, os progressos não são menores. Na Itália, um Centro Italiano de Sexologia tem robustez suficiente para reunir 800 associados e editar a cada três meses a revista Sessuologia - enquanto ninguém menos que o Vicariato de Roma mantém um Centro de Preparação ao Matrimônio, instalado num palazzo das vizinhanças papais e administrado por sexólogos canadenses. A Checoslováquia tem a primazia de abrigar o decano de todos os sexólogos - o dr. Josef Hynie, 75 anos, fundador em 1935 do Instituto de Patologia e Terapia Sexual de Praga. Na época um modesto centro médico, o instituto atende hoje 6.000 pacientes por ano, ministrou a espantosa cifra de 30.000 aulas de sexologia em 1974 - e, convenientemente, teve seu nome trocado para Instituto de Sexologia de Praga.
Esses progressos têm sido particularmente estimulados pela tecnologia na Suíça, onde a Faculdade de Medicina de Genebra mantém um seminário de sexologia clínica a nível de doutorado, com televisão em circuito fechado para apresentar casos gravados em vídeo-teipe. Na Alemanha, o Instituto de Pesquisas Sexuais de Hamburgo teve o número de seus pacientes dobrado no último ano. E a própria ONU, em 1974, promoveu uma conferência internacional sobre a sexualidade em Genebra - a partir da qual a Organização Mundial da Saúde, oficialmente, incluiu a "saúde sexual" na sua solene definição do bem-estar humano.
PARA UMA GERAÇÃO - No Brasil, naturalmente, as coisas vão mais devagar - mas nem tanto. Embora o número de sexólogos de dedicação plena e tempo integral não passe de uma dezena, já se discute, inclusive, a formação de uma Associação Brasileira de Sexologia. E, mais importante, desde 1973 funciona no Hospital das Clínicas de São Paulo um solitário centro sexológico, atualmente sob a direção do dr. Haruo Okawara, credenciado por um estágio no santo dos santos dos drs. Masters e Johnson em Saint Louis, EUA. Surpreendentemente, o pequeno centro mantém um ambulatório de sexologia, promove seminários e dá cursos - algo de razoável utilidade num país onde o fenômeno da ereção, por exemplo, simplesmente não é estudado em nenhuma faculdade de medicina.
Na verdade, o principal problema dos pioneiros sexólogos brasileiros - em geral emigrados da ginecologia, obstetrícia, urologia - parece ser a renitente demora do país em reconhecer sua utilidade, ou mesmo sua existência. "Para começar", constata tristemente um deles, "não há sequer a noção de que sexo é algo que pode ser tratado num consultório médico." A situação, obviamente, não é exclusiva do Brasil e, de qualquer forma, alguma luz tem sido feita sobre o tema nos últimos anos. Mas, como um todo, a treva sexual ainda é espessa e, aparentemente, promete trabalho para gerações inteiras de sexólogos.
Ilustrações práticas desse obscurantismo, inevitavelmente, fazem parte do diaa-dia da modesta sexologia brasileira. É o caso, por exemplo, do jovem engenheiro que compareceu recentemente ao consultório do dir. Márcio Barbosa, sexólogo paulista, inquirindo sobre o incompreensível comportamento de sua mulher - após dez anos de feliz relacionamento, ela apresentava súbitos sintomas de irritabilidade. Convidado a uma sessão de terapia de casal, o engenheiro ouviu sua mulher declarar que, na realidade, tudo o que ela queria era um único orgasmo - algo que jamais tivera em 3.650 noites de casamento. Ao que ele, surpreso, retorquiu: "Mas era para você ter? Era?"
DESCONFIANÇAS - Tal ignorância, sustentam os sexólogos, é comum, no Brasil, a gente de níveis sociais e culturais claramente diversos. "No ambulatório de sexologia do Hospital das Clínicas atendemos sobretudo pessoas sem qualquer instrução", diz o dr. Okawara. "O curioso é que suas queixas são em tudo semelhantes às feitas pelos nossos pacientes de consultório." E o dr. Demerval Mattos Jr., um urologista de 35 anos que trocou sua especialidade pela sexologia, também em São Paulo, já perdeu a conta de quantos homens irromperam gravemente preocupados em seu consultório, ao descobrirem sensibilidade nos mamilos, por exemplo - "como se fosse sintoma de uma metamorfose sexual, ou sei lá o quê".
A falta de informação abrange praticamente tudo - e talvez nenhum ponto tenha de ser tão exaustivamente explicado aos pacientes quanto a perfeita irrelevância, para a saúde sexual, das dimensões do membro viril. "Os homens continuam se queixando do tamanho de seus órgãos genitais, na crença de que tantos ou tantos centímetros sejam fundamentais para um bom desempenho sexual", desabafa o dr. Mattos Jr. "Ora, desde que não haja nenhuma patologia, não há problema algum. Continua-se a ignorar, em 1975, que a vagina é um órgão elástico, que normalmente se adapta ao tamanho do membro viril. Não fora assim, que homem conseguiria satisfazer uma mulher após ela ter tido um filho?"
Mais ainda, esse tipo de descaso por informações referentes a sexo não se limita aos leigos. Como diz o dir. Márcio Barbosa, ainda é comum no Brasil, por razões religiosas, culturais ou outras, uma categoria de médicos "radicalmente contrários ao prazer sexual". O resultado é que, se uma paciente vai se consultar com um deles, queixando-se de frigidez, por exemplo, corre o risco de se ver sumariamente medicada com doses brutais de hormônios - "o que é inútil e perigoso", lembra o dr. Barbosa. Há, enfim, grossas desconfianças em relação aos próprios sexólogos. "Imagine que existem médicos", lamenta-se o dr. Mattos Jr., "prontos a jurar que mantemos quartos secretos em nossas clínicas, para os pacientes praticarem atos sexuais observados por nós. . ."
'CINCO OU SEIS' - De qualquer forma, trata-se de percalços que a sexologia também tem de enfrentar em outros climas. Nos atualizadíssimos Estados Unidos, a difusão incontrolável de manuais para um melhor desempenho amoroso - geralmente inspirados nas ancestrais técnicas indianas de contorcionismo - tem aumentado consideravelmente o número de internações em pronto-socorros de traumatologia. E na França, particularmente, os embates têm sido rudes - a começar pelo corrosivo drama da desinformação, às vezes a vado por um certo espírito gaulois que exaure os mais pacientes sexólogos.
É o caso, por exemplo, da "performance", perenemente detectado entre pacientes masculinos. Como relatou ao correspondente de VEJA em Paris Pedro Cavalcanti, a dra. Jacqueline Dreyfus-Moreau, uma das fundadoras da Sociedade Francesa de Sexologia e especialista em impotência: "Há pacientes que vêm queixar-se comigo de que não conseguem 'manter a ereção durante 45 minutos, como faz um amigo meu', ou de que 'o vizinho de cima consegue ir cinco, seis vezes por noite, enquanto eu fico na segunda e raramente vou à terceira'. Obviamente, estão complicando tudo - e vão acabar com ejaculação precoce".
Há, igualmente, um generalizado mau humor em relação à sexologia e sexólogos. Recentemente, a sexóloga Monique Jobard, diretora de um colégio parisiense, foi esmagada por 830 votos contra 10, num plebiscito que promoveu entre os pais, indagando se aceitavam sua idéia de introduzir informação sexual nos currículos. E mesmo psiquiatras liberais como René Diatkine, celebrada autoridade em relações familiares, vêem com desconfiança a prática de "gestos e toques" recomendada por Masters e Johnson ("é como um cliente que só compra um carro depois de verificar o estado das bielas ou do virabrequim"), chegando mesmo a questionar os sexólogos em si - "vítimas eles próprios, algumas vezes, de graves perturbações sexuais, modelos retocados do Marquês de Sade, podem estar a um passo do charlatanismo lucrativo".
VOLTA AO NAMORO - De qualquer maneira, a sexologia tem conseguido sobreviver à correnteza sem aparentes danos - e para isso vêm contribuindo seguramente seu pragmatismo científico e seu permanente apelo ao senso comum. De fato, a nova ciência jamais pretendeu, como a psicanálise freudiana, embrenhar-se por selvas imperscrutáveis do inconsciente ou por outros labirintos da mente humana. Nada disso: sem dogmas ou preceitos rígidos, a terapia sexológica é extremamente singela, talvez até ingênua, se comparada com as altas elocubrações da psicologia tradicional.
Na verdade, existe apenas um cânone mais irredutível - a certeza de que não há o "cônjuge não-comprometido", ou seja, que uma impotência masculina, por exemplo, nunca é culpa exclusiva do homem. Portanto, o tratamento exige a presença do casal - seja ele um casal permanente, seja apenas um par eventual. Aliás, nos Estados Unidos, as clínicas habitualmente recorrem a parceiros ou parceiras profissionais - expediente que, se em Nova York ou Los Angeles já é considerado mera rotina, na recatada Belo Horizonte só teria mesmo o condão de despertar ásperas suspeitas. O sexólogo mineiro Antônio Carlos de Oliveira Correia teve de renunciar, recentemente, a tal prática, "porque estavam me chamando de agenciador de mulheres".
Mas, enfim, reunido o par, começa a terapia. "Na primeira fase do tratamento da impotência, o casal volta literalmente a namorar", resume o sexólogo paulista Rogério Sawaya. Com a redescoberta do corpo e da sensibilidade, as eventuais inibições vão caindo pouco a pouco - até que as carícias mais inocentes chegam, afinal, às áreas erógenas e avançam para práticas de estimulação mútua. Os exercícios carinhosos são geralmente praticados diante do sexólogo - que, porém, pode eventualmente prescrevê-los também na forma de tarefa doméstica. Em geral, com três ou quatro meses de tratamento, entre vinte a 25 sessões terapêuticas e alguma aplicação nos deveres de casa, o casal obtém um satisfatório rendimento sexual. A 250 cruzeiros a sessão, em média, a reabilitação do prazer está custando atualmente, no Brasil, entre 5.000 e 6.000 cruzeiros.
SUPER-HOMEM - É evidente que cada distúrbio pode exigir, do terapeuta, um tratamento específico e lances pessoais de imaginação - dependendo da complexidade do caso. A dra. Helen Kaplan, da Universidade de Cornell, Estados Unidos, conta em seu livro "A Nova Terapia Sexual" que, recentemente, deparou com um renitente caso de impotência secundária. Os sintomas eram aparentemente simples, mas o paciente, um jovial senhor de meia-idade, só conseguia sucesso na prática masturbatória. Seis meses depois de insistentes exercícios, o paciente acabou confessando que, para chegar ao prazer, precisava imaginar que era o Super-Homem - na adolescência, ele se sentia especialmente excitado ao trajar a vestimenta do super-herói, com capa e tudo. Kaplan simplesmente receitou-lhe a compra de uma nova fantasia de Super-Homem, agora em tamanho adulto - e, em poucos dias, o paciente já demonstrava surpreendentes progressos.
A impotência pode, porém, continuar resistente à mais imaginosa das prescrições terapêuticas. Para tais casos extremos, existe recurso igualmente extremo - uma cirurgia. No Brasil, evidentemente, não é qualquer macho tropical e latino que se habilita a tão delicada intervenção - mas, depois de seis anos de prática, em São Paulo, o dr. Luigi Frankenthal, 47 anos, brasileiro nascido na Itália, já consegue perceber, finalmente, uma lenta diluição dos temores masculinos. A outra restrição que havia contra tal procedimento partia dos próprios médicos, para quem, sendo a impotência um mal quase sempre psíquico, a cura teria de ser buscada exclusivamente no âmbito da psicologia. "Acontece que uma úlcera duodenal, afecção estritamente psíquica, pode ser curada com uma intervenção cirúrgica", lembrou o dr. Frankenthal a Hamlet Paoletti, de VEJA.
PIRATARIA CLÍNICA - Apesar de tudo, a intervenção é aparentemente singela. Consiste basicamente na implantação de um cilindro de silicone na parte superior do pênis. Como o cilindro é semi-rígido, o orgão masculino permanece em posição de semi-ereção - o suficiente para um desempenho sexual satisfatório. Em última instância, porém, o efeito mais positivo da cirurgia acaba se manifestando no próprio campo psicológico. "Confiante em sua atuação, satisfeito com seu rendimento", assegura Frankenthal, "o homem perde a angústia antes do ato sexual e acaba curado da própria impotência." E até dispensando os amparos artificiais.
Não faltam, evidentemente, outros recursos - como comprovam cotidianamente dezenas de anúncios estampados nos jornais, acenando com curas instantâneas e miraculosas para tragédias sexuais. No entanto, não custa nada se precaver. Tais tratamentos, limitando-se geralmente à prescrição indiscriminada de hormônios masculinos ou femininos, chegam a ser "criminosos", segundo o dr. Demerval Mattos Jr. A rigor, as disfunções sexuais de fundo estritamente orgânico ou fisiológico jamais ultrapassam a fronteira de 5% dos casos - e, conseqüentemente, esta insuspeitada forma de pirataria clínica anunciada nos jornais serve apenas para aumentar a angústia e a frustração dos pacientes incautos.
RECURSOS TÉCNICOS - Uma ejaculação prematura, por exemplo, jamais poderá ser resolvida com doses cavalares de hormônio. De acordo com Willy Pasini, pioneiro da sexologia na enrubescida Suíça de Calvino, trata-se, na realidade, de um fenômeno "típico do homem latino" - e com raízes, portanto, caracteristicamente sociais. "A origem talvez esteja no fato de que a iniciação sexual do latino se faz com prostitutas", asseverou Pasini a Claudius Ceccon, correspondente de VEJA em Genebra. "Elas ensinam o cliente a terminar mais depressa."
Contudo, mesmo na clínica suíça de Pasini - que é vinculada à Faculdade de Medicina da Universidade de Genebra e atende 1.600 casos por ano -, o fantasma da ejaculação precoce é o caso mais habitual entre os homens. E, também, o de mais fácil solução. "Basta acostumar o paciente a ter menos pressa", simplifica o sexólogo. De qualquer forma, contra os eventuais renitentes, pode-se despejar toda uma bateria de outros recursos técnicos, sejam calmantes, pomadas anestésicas que reduzem a superexcitação, filmes educativos preparados pelo National Sex Forum de San Francisco, EUA - que, curiosamente, pertence à Igreja Metodista -, ou até mesmo sessões de hipnose.
Do mesmo modo, tão remediável como a ejaculação prematura para os homens é o drama do vaginismo para as mulheres. De fato, a obstrução vaginal pode ser solucionada a partir da metodologia tátil de Masters e Johnson e de uma exploração estudiosa do organismo genital feminino - usando-se, eventualmente, como na clínica de Pasini, filmes e slides que complementem a lição fisiológica. "Em seguida", narra o sexólogo, "demonstramos na prática que existe muito espaço no interior da vagina, introduzindo uma quantidade de gaze que a própria paciente passa a retirar. Depois, iniciamos uma fase de massagem nas paredes da vagina, empreendida tanto pela mulher quanto pelo parceiro. E o passo derradeiro é a tentativa de penetração, com a mulher em posição superior, de tal forma que possa controlar o ato sexual."
COMO UM CADILLAC - Ao aliar procedimentos terapêuticos tão objetivos e, portanto, tão encorajadores, a resultados às vezes surpreendentes, a sexologia não poderia estar, ainda que involuntariamente, engrossando a maré vazante da permissividade? Afinal, o orgasmo pleno, irrestrito e frenético é seu objetivo final. A verdade, porém, é que, em nome da isenção que a caracteriza enquanto ciência, a sexologia não pode aceitar o papel de porta-estandarte do hedonismo. Como adverte a dra. Kaplan, "a sexualidade está se convertendo em símbolo de status. Ter uma vida sexual superdesinibida é como ter um Cadillac".
Ademais, a avalancha sexual que desabou sobre o mundo, nos últimos anos - "as mulheres nunca tiveram tantos orgasmos como hoje", assinala a dra. Kaplan -, não significa obrigatoriamente que as pessoas estão ficando mais livres ou mais felizes. Esta é uma dúvida que perturba, por exemplo, o mais antigo patriarca da sexologia, o checo Josef Hynie. Falando a Carlos Struwe, de VEJA, Hynie lamentou "certas extravagâncias, certas tendências anarquistas, o sexo comercializado" - suspeitando que a real liberalização sexual pouco tem a ver com o atual aluvião pornográfico.
Curiosamente, é nos países onde o erotismo aparece menos ligado aos antigos grilhões e preconceitos que se começa a pressentir, hoje em dia, sintomas de uma brusca reviravolta. Quatro especialistas do Instituto de Pesquisas Sexuais de Hamburgo empreenderam, em 1968, uma ambiciosa enquete sobre o comportamento sexual do universitário alemão - e descobriram que, enquanto mostrava invejável furor atrás das barricadas da contestação política, os descontraídos jovens alemães padeciam, na intimidade, de um ranço de pudicícia amorosa. Retomando recentemente a pesquisa dos cientistas de Hamburgo, o semanário Der Spiegel constatou que a juventude alemã "volta a exigir um casamento casto, a respeitar a fidelidade conjugal e a sonhar com famílias de quatro e até mais filhos".
TERRORISMO - Também a desinibida França de Toulouse-Lautrec e do Marquês de Sade não tem passado sem arranhões pelos percalços da liberalização. Ali, a reação vem sendo diretamente proporcional à euforia hedonista. A Sociedade Francesa de Sexologia se viu literalmente impedida de realizar seu primeíro congresso, há um ano atrás, por uma horda de estudantes que invadiu o auditório, subiu nas cadeiras e passou a berrar "coveiros de bebês, mercadores do orgasmo, devolvam nossos cromossomas" - ao mesmo tempo que bombardeava os aturdidos congressistas com uma chuvarada de símbolos fálicos. Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a borbulhante Universidade de Vincennes, nos arredores de Paris, esteve ameaçada de fechamento, em conseqüência de uma reportagem da revista Le Nouvel Observateur denunciando as ousadias de seu curso de sexologia.
O fechamento não se consumou e o diretor do curso, o médico Michel Meignant, 37 anos, pôde retornar às suas lições práticas - a esta altura já quase elevado à condição de mártir da nova moral sexual. No entanto, em entrevista a Napoleão Sabóia, de VEJA, o polêmico mestre de Vincennes manifestou opiniões que dificilmente se ajustam à sua nova imagem pública. Revelou, por exemplo, uma clara oposição ao que chama de "terrorismo do orgasmo", apontando a responsabilidade da própria sexologia nesta "mitificação do prazer" e concluiu pela "liberdade de cada um viver sem sexualidade, já que a afeição e a ternura são, na verdade, muito mais importantes do que o ato sexual em si".
http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_13081975.shtml