As variações do tempo que acarretam mudanças bruscas de temperatura têm despertado o interesse dos cientistas para os efeitos que provocam na saúde humana. A imagem mais visível do problema se reflete no aumento da procura de ambulatórios hospitalares e postos de saúde nesses períodos.
Os efeitos do clima e do tempo sobre a saúde humana têm sido identificados como fatores de alto risco, que contribuem para o aumento da ocorrência de doenças crônicas e transmissíveis, de forma direta e indireta e que potencialmente aumentam a prevalência de algumas enfermidades.
Esses efeitos foram discutidos na conferência “Elementos de biometeorologia humana e saúde”, ministrada por Luís Bartolomé Lecha Estela, do Centro de Estudos e Serviços Ambientais (Cesam) da Universidade Central "Maria Abreu" de Las Villas (UCLV), em Cuba. O evento foi organizado pelo Grupo de Pesquisa de Ciências Ambientais do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP) e realizado no dia 22 de março, na sede do instituto.
Lecha e colegas desenvolveram uma metodologia de classificação biometeorológica com o objetivo de avaliar os efeitos do tempo na saúde humana. Os métodos buscam avaliar as condições peculiares do clima tropical cubano e da adaptação da população às condições meteorológicas locais.
“Os prognósticos que desenvolvemos em Cuba estão direcionados aos médicos das instituições de saúde e auxiliam na prevenção de doenças com alta incidência, como asma, problemas cardiovasculares, acidente vascular cerebral, hipertensão arterial, cefaleias, hepatite, meningite, dengue e malária”, disse Lecha à Agência FAPESP . Os resultados preliminares do estudo foram publicados na Revista Cubana de Salud Pública.
O pesquisador esteve no Brasil para ministrar um curso na Faculdade de Saúde Pública da USP e divulgar o método que desenvolve em Cuba há mais de 20 anos. A vinda de Lecha teve apoio da FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Pesquisador Visitante
“A cidade de São Paulo é um laboratório importante para se estudar essa relação. Pretendemos criar um programa a partir dos métodos desenvolvidos por Lecha”, disse Helena Ribeiro, diretora da Faculdade de Saúde Pública da USP.
“O método avisa com até 180 horas de antecedência a ocorrência de condições favoráveis para o desencadeamento de crises de saúde e utiliza como principal indicador a variação em 24 horas da densidade parcial de oxigênio no ar, o tipo de situação predominante e a ocorrência de efeitos locais de contaminação atmosférica”, explicou a professora Helena.
Lecha apresentou os resultados do método biometeorológico, que foi aplicado como projeto piloto no município de Sagua La Grande, província de Villa Clara. Os dados analisados referem-se ao período do inverno cubano, entre dezembro, janeiro e fevereiro de 2006 a 2007.
A partir de um site (http://pronbiomet.villaclara.cu), são gerados mapas detalhados em que se analisam a densidade de oxigênio, temperatura, umidade e pressão atmosférica. “Repassamos a informação à rede virtual do Ministério da Saúde e, por intranet, essa informação é transmitida aos principais postos e hospitais do município”, explicou Lecha.
Dados ambulatoriais
De acordo com o pesquisador cubano, o índice de acertos tem sido, em geral, superior a 80%. Entre 1º de dezembro de 2006 e 30 de abril de 2007 foram detectados pelo modelo cerca de 63 situações complexas de tempo com avisos de alerta, sendo 24 para hiperoxia (alta concentração de oxigênio) e 39 para condições de hipoxia (baixo teor de oxigênio).
A baixa densidade do ar em Cuba provoca crises asmáticas mais intensas nos meses de inverno e estão associadas à densidade do oxigênio no ar. “Mas foi possível identificar que nos dias em que havia condições de hipoxia houve uma prevalência de crises massivas associadas à hipertensão arterial, cefaleias e de acidente vascular cerebral, por exemplo”, disse Lecha.
Segundo ele, o método ainda apresenta algumas limitações. “O problema são os falsos alarmes, que giraram em torno de 8%, e as alterações de tempo que não foram detectadas pelo sistema. Estamos aprimorando o sistema para reduzir os erros”, disse.
Segundo o pesquisador cubano, uma das grandes dificuldades enfrentadas é a obtenção dos dados ambulatoriais. “A comunicação com os médicos é a tarefa mais difícil. Temos que investir recursos próprios para pagar e treinar uma pessoa que possa ir todos os dias aos postos para analisar as ocorrências diárias”, contou.
Durante os debates, também foram discutidos os efeitos da poluição na saúde. “A poluição tem um peso, mas esse tem sido mais sutil, porque tem havido um esforço para controlar. Já os fatores meteorológicos estão sendo cada vez mais amplificados”, disse Fábio Gonçalves, professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP e um dos debatedores do encontro.
Helena Ribeiro, que orienta pesquisas relacionadas à saúde urbana e mudanças climáticas, falou da dificuldade no Brasil de se conseguir dados estatísticos de pronto atendimento nos ambulatórios, além das poucas pesquisas nessa área. “A ligação entre alterações climáticas e saúde ainda é incipiente no país. A maioria dos projetos aborda as mudanças climáticas em larga escala”, afirmou.
Lecha destacou ainda a aplicação no turismo. “O modelo pode ajudar Cuba, que recebe muitos turistas, a se planejar em relação às alterações do tempo. O perfil dos turistas incluiu muitas pessoas acima de 60 anos. Além de riscos de tromboses durante os voos, há riscos à saúde devido às mudanças atmosféricas”, salientou.
Segundo ele, o método é interdisciplinar e envolve parceria entre diferentes faculdades das áreas médicas e meteorológicas. “É um trabalho que envolve aplicação de especialista de outras áreas. O médico precisará saber ler as imagens e decodificá-las de forma correta. Isso leva tempo”, disse.
Para ler o artigo Pronósticos biometeorológicos: vía para reducir la ocurrencia de crisis de salud. Caso Sagua La Grande, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP).
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