Divulgação Científica - 29/3/2010 - Agência FAPESP
O mecanismo molecular que leva indivíduos ao vício em drogas é o mesmo que está por trás da compulsão pela comida, de acordo com um novo estudo realizado por cientistas norte-americanos.
Os resultados fornecem uma explicação científica para algo que é verificado na prática por pacientes obesos há muito tempo: assim como ocorre com a dependência em outras substâncias, largar o vício por comida não saudável é algo extremamente difícil.
A pesquisa, coordenada por Paul Kenny do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida (Estados Unidos), foi publicada no último domingo (28/3) na edição on-line da revista Nature Neuroscience e em breve será veiculada na versão impressa.
Os resultados do estudo já haviam sido divulgados de forma preliminar em uma reunião da Sociedade de Neurociências, em Chicago, em outubro de 2009. Mas o artigo vai mais longe, demonstrando pela primeira vez com clareza, em modelos animais, que o desenvolvimento da obesidade coincide com a deterioração progressiva do equilíbrio químico em circuitos de recompensa do cérebro.
Conforme esses centros de prazer do cérebro se tornavam cada vez menos sensíveis, os ratos utilizados no experimento desenvolviam rapidamente o hábito de comer compulsivamente, consumindo quantidades maiores de alimentos com altos teores de calorias e gordura, até se tornarem obesos.
As mesmas mudanças ocorreram nos cérebros dos ratos que consumiram grande quantidade de cocaína ou heroína. Os cientistas acreditam que esse mecanismo tem um papel importante no desenvolvimento do uso compulsivo de drogas.
De acordo com Kenny, o estudo, que levou três anos para ser concluído, confirma as propriedades “viciantes” da comida junk – alimentos não saudáveis com muitas calorias e muita gordura.
“Ao contrário do resumo divulgado de forma preliminar, esse novo estudo explica o que ocorre no cérebro desses animais quando eles têm acesso fácil a altos teores de calorias e gordura. A pesquisa apresentou as evidências mais completas e convincentes de que a dependência de drogas e a obesidade têm base nos mesmos mecanismos neurobiológicos subjacentes”, afirmou Kenny.
Segundo ele, os animais continuaram a comer compulsivamente, mesmo quando recebiam choques elétricos. “Isso mostra como eles estavam motivados a consumir o alimento saboroso”, disse.
Os pesquisadores alimentaram os ratos com uma dieta modelada a partir do típico cardápio que contribui para a obesidade humana – com calorias de fácil obtenção e alta gordura –, como salsichas, bacon e cheese-cake. Logo após o início dos experimentos, os animais começaram a comer em grande quantidade.
“Eles procuraram sistematicamente o pior tipo de comida. O resultado é que eles ingeriram o dobro das calorias dos ratos do grupo de controle. Quando removemos a comida junk e tentamos colocá-los em uma dieta mais balanceada, eles simplesmente se recusavam a comer”, disse Kenny.
A modificação na preferência dos ratos em relação à dieta foi tão grande que os animais passaram fome por duas semanas depois que a comida junk foi cortada. Os animais que apresentaram um colapso nos circuitos cerebrais de recompensa foram justamente aqueles que mudaram a dieta mais profundamente, buscando a comida mais saborosa e menos saudável.
“Esses mesmos ratos também foram os que se mantiveram comendo, mesmo quando levavam choques elétricos”, disse o cientista. De acordo com Kenny, o mecanismo do vício é bastante simples. As vias de recompensa no cérebro foram tão superestimuladas que o sistema basicamente começa a ser “ligado” espontaneamente, adaptando-se à nova realidade do vício – seja ele a cocaína ou o bolo de chocolate.
“O corpo se adapta notavelmente bem à mudança. E esse é o problema. Quando o animal superestimula os centros de prazer de seu cérebro com comida altamente saborosa, os sistemas se adaptam a isso, diminuindo sua atividade. No entanto, nesse momento o animal requer constante estimulação pela comida saborosa a fim de evitar a entrada em um estado persistente de recompensa negativa”, explicou.
Depois de mostrar que os ratos obesos tinham, em relação à comida, um comportamento claramente semelhante ao do vício em drogas, Kenny e sua equipe investigaram o mecanismo molecular subjacente que explica a modificação. Eles se concentraram em um receptor específico no cérebro, conhecido por ter um importante papel na vulnerabilidade à dependência química e à obesidade – o receptor de dopamina D2.
Esse receptor responde à dopamina, um neurotransmissor que é liberado no cérebro por experiências de prazer, como comida, sexo ou drogas como a cocaína. No caso do abuso de cocaína, por exemplo, a droga altera o fluxo de dopamina bloqueando sua recuperação, inundando o cérebro e superestimulando os receptores. Isso leva eventualmente a mudanças físicas na maneira como o cérebro responde à droga.
O estudo mostra que o mesmo processo ocorre quando o indivíduo está viciado em comida junk. “Essa descoberta confirma o que muita gente suspeitava: o consumo exagerado de comida muito saborosa é um gatilho para uma resposta neuroadaptativa, semelhante ao vício, nos circuitos de recompensa do cérebro. Isso leva ao desenvolvimento de uma obesidade e à dependência de drogas”, afirmou.
O artigo Dopamine D2 receptors in addiction-like reward dysfunction and compulsive eating in obese rats (doi:10.1038/nn.2519), de Paul Johnson e Paul Kenny e outros, pode ser lido por assinantes da Nature Neuroscience em www.nature.com/neuro.
Os resultados fornecem uma explicação científica para algo que é verificado na prática por pacientes obesos há muito tempo: assim como ocorre com a dependência em outras substâncias, largar o vício por comida não saudável é algo extremamente difícil.
A pesquisa, coordenada por Paul Kenny do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida (Estados Unidos), foi publicada no último domingo (28/3) na edição on-line da revista Nature Neuroscience e em breve será veiculada na versão impressa.
Os resultados do estudo já haviam sido divulgados de forma preliminar em uma reunião da Sociedade de Neurociências, em Chicago, em outubro de 2009. Mas o artigo vai mais longe, demonstrando pela primeira vez com clareza, em modelos animais, que o desenvolvimento da obesidade coincide com a deterioração progressiva do equilíbrio químico em circuitos de recompensa do cérebro.
Conforme esses centros de prazer do cérebro se tornavam cada vez menos sensíveis, os ratos utilizados no experimento desenvolviam rapidamente o hábito de comer compulsivamente, consumindo quantidades maiores de alimentos com altos teores de calorias e gordura, até se tornarem obesos.
As mesmas mudanças ocorreram nos cérebros dos ratos que consumiram grande quantidade de cocaína ou heroína. Os cientistas acreditam que esse mecanismo tem um papel importante no desenvolvimento do uso compulsivo de drogas.
De acordo com Kenny, o estudo, que levou três anos para ser concluído, confirma as propriedades “viciantes” da comida junk – alimentos não saudáveis com muitas calorias e muita gordura.
“Ao contrário do resumo divulgado de forma preliminar, esse novo estudo explica o que ocorre no cérebro desses animais quando eles têm acesso fácil a altos teores de calorias e gordura. A pesquisa apresentou as evidências mais completas e convincentes de que a dependência de drogas e a obesidade têm base nos mesmos mecanismos neurobiológicos subjacentes”, afirmou Kenny.
Segundo ele, os animais continuaram a comer compulsivamente, mesmo quando recebiam choques elétricos. “Isso mostra como eles estavam motivados a consumir o alimento saboroso”, disse.
Os pesquisadores alimentaram os ratos com uma dieta modelada a partir do típico cardápio que contribui para a obesidade humana – com calorias de fácil obtenção e alta gordura –, como salsichas, bacon e cheese-cake. Logo após o início dos experimentos, os animais começaram a comer em grande quantidade.
“Eles procuraram sistematicamente o pior tipo de comida. O resultado é que eles ingeriram o dobro das calorias dos ratos do grupo de controle. Quando removemos a comida junk e tentamos colocá-los em uma dieta mais balanceada, eles simplesmente se recusavam a comer”, disse Kenny.
A modificação na preferência dos ratos em relação à dieta foi tão grande que os animais passaram fome por duas semanas depois que a comida junk foi cortada. Os animais que apresentaram um colapso nos circuitos cerebrais de recompensa foram justamente aqueles que mudaram a dieta mais profundamente, buscando a comida mais saborosa e menos saudável.
“Esses mesmos ratos também foram os que se mantiveram comendo, mesmo quando levavam choques elétricos”, disse o cientista. De acordo com Kenny, o mecanismo do vício é bastante simples. As vias de recompensa no cérebro foram tão superestimuladas que o sistema basicamente começa a ser “ligado” espontaneamente, adaptando-se à nova realidade do vício – seja ele a cocaína ou o bolo de chocolate.
“O corpo se adapta notavelmente bem à mudança. E esse é o problema. Quando o animal superestimula os centros de prazer de seu cérebro com comida altamente saborosa, os sistemas se adaptam a isso, diminuindo sua atividade. No entanto, nesse momento o animal requer constante estimulação pela comida saborosa a fim de evitar a entrada em um estado persistente de recompensa negativa”, explicou.
Depois de mostrar que os ratos obesos tinham, em relação à comida, um comportamento claramente semelhante ao do vício em drogas, Kenny e sua equipe investigaram o mecanismo molecular subjacente que explica a modificação. Eles se concentraram em um receptor específico no cérebro, conhecido por ter um importante papel na vulnerabilidade à dependência química e à obesidade – o receptor de dopamina D2.
Esse receptor responde à dopamina, um neurotransmissor que é liberado no cérebro por experiências de prazer, como comida, sexo ou drogas como a cocaína. No caso do abuso de cocaína, por exemplo, a droga altera o fluxo de dopamina bloqueando sua recuperação, inundando o cérebro e superestimulando os receptores. Isso leva eventualmente a mudanças físicas na maneira como o cérebro responde à droga.
O estudo mostra que o mesmo processo ocorre quando o indivíduo está viciado em comida junk. “Essa descoberta confirma o que muita gente suspeitava: o consumo exagerado de comida muito saborosa é um gatilho para uma resposta neuroadaptativa, semelhante ao vício, nos circuitos de recompensa do cérebro. Isso leva ao desenvolvimento de uma obesidade e à dependência de drogas”, afirmou.
O artigo Dopamine D2 receptors in addiction-like reward dysfunction and compulsive eating in obese rats (doi:10.1038/nn.2519), de Paul Johnson e Paul Kenny e outros, pode ser lido por assinantes da Nature Neuroscience em www.nature.com/neuro.
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