26/8/2010 -Por Fábio Reynol, de Águas de Lindoia -Agência FAPESP
Quanto mais precoce o consumo de uma droga de abuso, mais o indivíduo se torna vulnerável à dependência. Foi o que mostrou um estudo com camundongos conduzido no Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).
Ao administrar doses de álcool em animais adolescentes e adultos, os pesquisadores constataram que os mais jovens apresentaram uma compulsão maior ao consumo após um período de abstinência.
Segundo os pesquisadores, o resultado também pode valer para outros tipos de drogas de abuso, que englobam desde anfetaminas até entorpecentes pesados como cocaína e heroína, passando pelo cigarro e pelo álcool.
“Drogas de abuso são aquelas que induzem à fissura pelo seu consumo seja pelo prazer proporcionado, seja pelos efeitos desagradáveis que a interrupção de seu uso provoca”, disse a coordenadora da pesquisa, Rosana Camarini, professora do ICB-USP, à Agência FAPESP.
O trabalho, apoiado pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular, terá seus resultados apresentados na 25ª Reunião da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), que começou na quarta-feira (25/8) e vai até sábado em Águas de Lindoia (SP).
Rosana analisou quatro grupos de camundongos: adolescentes que recebiam doses de álcool e adolescentes tratados com solução salina e adultos divididos nessas mesmas categorias (com e sem a administração de álcool).
Entre as diferenças observadas está que os adolescentes que receberam álcool apresentaram tolerância à droga, enquanto que os camundongos mais velhos sob o mesmo tratamento responderam com uma sensibilização ao álcool.
Rosana conta que ambos são fenômenos neuroadaptativos provocados pelo uso contínuo da droga. A sensibilização é um aumento do efeito que a droga apresenta ao longo de um período de consumo.
Já a tolerância, observada nos animais adolescentes, significa a redução desses efeitos. Nesse caso, o indivíduo precisará de doses maiores do produto para conseguir obter as mesmas sensações proporcionadas pelas doses iniciais.
Em uma outra etapa, os pesquisadores separaram os camundongos adolescentes e adultos que haviam recebido álcool. Colocados individualmente em uma gaiola, cada um poderia escolher entre dois recipientes, um com água e outro com álcool. O frasco com etanol continha doses que eram aumentadas gradualmente, de 2% a 10%.
“Nessa etapa, não detectamos diferenças entre os dois grupos. Porém, após a dose de 10%, resolvemos retirar o álcool para estabelecer um período de abstinência”, disse a professora da USP, explicando que se trata de um teste para verificar se o animal se tornou ou não dependente da droga.
Ao serem novamente expostos ao álcool, os animais mais jovens começaram a beber gradativamente mais, enquanto que os adultos mantiveram o consumo que apresentavam antes da abstinência.
Já os animais controle, tratados previamente com solução salina, não apresentaram um aumento no consumo ao serem expostos ao álcool em ocasiões diferentes. E isso se verificou tanto nos indivíduos jovens como nos adultos.
Rosana ressalta que nessa etapa da pesquisa os animais tratados com álcool na adolescência já estavam adultos, considerando que a adolescência dos camundongos dura apenas 15 dias.
Alterações neuroquímicas
“O que podemos concluir dessa experiência é que o contato prévio do adolescente com o etanol acaba induzindo alguma modificação que faz com que, quando adultos, eles fiquem muito mais vulneráveis ao consumo”, disse a pesquisadora.
Isso ocorre porque a droga provoca alterações neuroquímicas que interferem no processo de formação do cérebro do adolescente.
Um bom exemplo é que os adolescentes apresentam uma liberação bem maior de glutamato quando expostos ao álcool, se comparados aos adultos. Esse aminoácido tem efeito excitatório sobre o sistema nervoso central.
“O consumo de álcool aumenta o número de receptores para o glutamato e, quando se retira a droga, permanecem inúmeros receptores ávidos por esse aminoácido que não está mais lá”, disse. Convulsões associadas à abstinência, por exemplo, estão relacionadas ao glutamato.
Por essa razão, Rosana estima que indivíduos com experiência precoce com drogas tenham maior probabilidade de apresentar síndromes de abstinência mais severas.
Outro efeito do álcool sobre organismos jovens seria a redução da proteína Creb, responsável pela transcrição de determinados genes. Vários estudos feitos com animais aplodeficientes de Creb mostraram que isso provocava um consumo maior de álcool.
A redução desse mesmo neurotransmissor também é observada em indivíduos que consumiram álcool durante a adolescência.
“Parece que todas essas alterações neuroquímicas observadas nos adolescentes estão relacionadas ao fato de eles quererem consumir mais álcool”, disse. As drogas interferem no processo de remodulação do sistema nervoso central que ocorre durante a adolescência.
Essas transformações neuroquímicas explicam alguns comportamentos típicos dessa fase da vida, como a propensão a correr mais riscos e a procura por experiências que causem euforia.
Rosana cita como exemplo a presença maior de dopamina na região do córtex pré-frontal do cérebro adolescente. Trata-se de uma área relacionada a analisar riscos e tomar decisões e que, além de não estar totalmente formada na adolescência, recebe dopamina em doses maiores que a de um adulto. “A presença das drogas de abuso interfere nesse processo natural que já é bem complicado”, pontuou.
Os efeitos observados levaram os autores do estudo a reforçar a importância de aplicações de políticas públicas para proteger o adolescente. Como exemplo, a professora do ICB-USP cita a lei que proíbe a venda de bebidas alcoólicas para menores de idade.
“Leis como essa se justificam, pois o contato precoce com a droga pode resultar posteriormente em uma vulnerabilidade maior à dependência quando a pessoa é exposta novamente à droga, em comparação àqueles que não tiveram essa experiência prévia”, afirmou.
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