segunda-feira, 19 de julho de 2010

Romances à venda

Especiais - 16/7/2010 -Por Fábio Reynol - Agência FAPESP


NOTEM QUE ITERESSANTE: EM OUTRA ÉPOCA NÃO ERA COSTUME CASAR COM QUEM SE AMAVA (VIDE ARTIGO ABAIXO). COMO CONSEQUÊNCIAS TEMOS NOSSOS DIAS DE HOJE...
AINDA BEM QUE O MUNDO ESTÁ MUDANDO E PRINCIPALMENTE NÓS MULHERES: BUSCANDO A RELAÇÃO FEITA DE AMOR, POR AMOR E COM AMOR, SEMPRE! (Nutridipietro)


No século 19 debutou no Brasil um novo gênero literário, o romance, responsável pela popularização da literatura no país. Discriminado como “gênero menor” frente às epopeias e outros gêneros poéticos da época, o romance se difundiu graças ao interesse dos leitores, mas também ao esforço de livreiros ávidos em vender seus produtos.

Para levantar essa história, Regiane Mançano analisou no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) três jornais do século 19, o Correio Braziliense, publicado em Londres, e os cariocas Gazeta do Rio de Janeiro e Jornal do Commercio.

Como não havia seções de crítica literária nos periódicos na época, Regiane utilizou os anúncios de romances pagos por livreiros como medidor da penetração dessas obras junto aos leitores. O trabalho resultou na dissertação Livros à venda: presença de romances em anúncios de jornais, que foi apresentada e aprovada em fevereiro e para a qual contou com apoio da FAPESP por meio de uma Bolsa de Mestrado.

O estudo surgiu do Projeto Temático Caminhos do Romance no Brasil – séculos 18 e 19, apoiado pela FAPESP e coordenado pela professora Márcia Azevedo de Abreu, do Departamento de Teoria Literária do IEL.

O Temático procurou investigar a consolidação do gênero romanesco no Brasil e teve caráter multidisciplinar, contando com a participação de professores e estudantes da área de letras e de história da Unicamp, da Universidade de São Paulo e da Universidade Federal de Minas Gerais.

O projeto de Regiane levantou informações importantes e alguns detalhes inusitados dos anúncios publicitários. “A autoria não era valorizada e muitos anúncios nem traziam o nome do escritor. No lugar, estampavam comentários morais e outras características sobre o livro”, disse à Agência FAPESP.

Na época, era comum o anúncio ressaltar que a história do livro moralizava os leitores pelos exemplos dos personagens. “Os textos diziam que a história apresentava personagens virtuosas e punia os vícios, por exemplo, passando uma ideia de aprendizado pela leitura”, disse.

Esse caráter moralizador e educativo era reforçado pelo perfil do público alvo explicitado nos anúncios: mulheres e jovens. Uma frase frequente nas peças publicitárias era “adequado para moças”, segundo explicou a professora Márcia Abreu.

“A preocupação era mostrar que o livro não seria um perigo para as mulheres no sentido de difundir comportamentos inadequados para a época”, disse.

Um desses comportamentos tidos como impróprios era, por exemplo, casar por amor. “O cônjuge era uma escolha do pai e não respeitá-la significava colocar em risco a autoridade paterna”, indicou Márcia.

Por conta disso, os livros eram considerados bons se apresentassem conteúdo moralizador, como histórias de punição para atos considerados inadequados e de recompensa para os que agissem de acordo com os padrões vigentes. O caráter educacional era destacado da mesma forma. “A ideia era que se podia aprender pela leitura e ao mesmo tempo se entreter”, disse Regiane.

Como recurso de reforço dessas mensagens, as histórias eram anunciadas como se tivessem realmente ocorrido. “Alguns anúncios afirmavam que o livro era uma transcrição de manuscritos encontrados com um moribundo, ou de cartas encontradas pelo autor”, disse.

Ao preço de uma calça

Outro ponto destacado pelos anunciantes no século 19 eram as características físicas dos livros, ou seja, o tipo de encadernação, quantidade de figuras ilustrativas, qualidade da capa e número de volumes – romances mais longos chegavam a ter 12 volumes.

Esses aspectos ajudavam a valorizar a obra e a justificar o seu preço. “Quanto mais imagens tivesse um livro, por exemplo, mais caro ele seria”, contou Regiane. Para comparar com parâmetros atuais de valores, ela apurou que o preço médio de um romance, na época, equivalia ao valor de uma calça de brim.

Também investigou a origem dos primeiros romances comercializados no Brasil. Os textos eram majoritariamente franceses, seguidos por portugueses, ingleses, espanhóis e alemães. As obras em língua estrangeira eram traduzidas em Portugal e chegavam ao Brasil pelo Rio de Janeiro.

Entre os títulos mais recorrentes anunciados nos jornais analisados três se destacaram: Aventuras de Telêmaco, Paulo e Virginia e Aventuras de Gil Blas. “O impressionante é que esses livros foram escritos nos séculos 17 e 18, venderam durante todo o século 18 e estavam presentes nos anúncios do século 19, mas hoje nem sequer ouvimos falar deles”, disse Regiane.

Outra peculiaridade eram os locais de vendas de livros. Na primeira metade do século 19, eles não estavam restritos às livrarias e poderiam ser encontrados em lojas de armarinhos, em vendas particulares nas residências ou mesmo em leilões. A Impressão Régia e a Gazeta do Rio de Janeiro tinham lojas próprias para vender periódicos e livros. Havia ainda o comércio de obras usadas, dirigido pelos alfarrabistas.

Consolidação do romance

Segundo Regiane, parte do sucesso de público conquistado pelo gênero se deveu à atuação publicitária dos vendedores, sobretudo dos livreiros. Ela detectou, entre os anos de 1808 e 1844, um considerável aumento no espaço publicitário ocupado pelos livros.

“Ao buscar ampliar sua margem de lucro, os livreiros aturam como agentes difusores do gênero romanesco na cidade do Rio de Janeiro no período, contribuindo para a consolidação do gosto pelos romances”, disse.

Márcia conta que, em seus primórdios, o gênero tinha uma faceta muito mais comercial do que aquela que conhecemos hoje. “O romance não era considerado uma obra elevada do espírito. Ele estava muito mais associado a um produto comercial, assim como nos dias de hoje é visto o cinema”, apontou.

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